2 de out. de 2011

Contos Urbanos

Miséria.
Languidamente as luminárias curvavam-se. Sonolentas, ante a pesada mão da noite. A cidade dormia, na maior parte. Claudinha, ébria pelo longa metragem norte americano. Enveredara-se por um coração valente medievo. Logo ali, perto de sua casa. Papéis comodamente amontoados, tentavam, inutilmente, manter  corpos aquecidos. O vento assoprava, levando consigo as amarguras de mais um dia de esquecimento. Os cantos da praça já nem reclamavam mais. Sempre cabe mais um. Reverberava no ar a última folha do inverno, seguindo a melodia da noite. Incomodada, uma figura perambulava. Decerto, a situação tornara-se demasiadamente penosa. No beco, ecoava o som de lata caindo. O rato chiava, agonizante. O gato saboreava, calmamente, cada pedacinho do fim de sua vida. O silêncio, ao longe, cedia espaço à trilha sonora. Conduzindo a figura. Na verdade, sabia aquela que não deveria aceitar presente de estranhos. O filme seguia seu curso. A campainha toca. O coração dispara, como que tentando acalmar as pernas. Quase sem forças para levantar. A noite, inevitavelmente, abraçava a madrugada. Uma infinidade de pensamentos lhe percorriam a mente. A campainha continuava a tocar. Chegou-se à porta, a figura suplicava por um pouco de comida. Horas antes, discorria com amigos sobre a situação da cidade. A mendicância se tornara um grande problema. Não chegaram a um consenso. Em sua geladeira, um pouco de frango desfiado. Um pão dormido, maionese. Um sanduíche à mão. E um copo de leite quente. Respirou fundo, orgulhosa. Enquanto todos apenas discutiam o assunto ela poder fazer algo. Pela grade da janela entregou a comida. Ânsia de vômito, o odor entrara e tomara a sala. A figura rapidamente arrancou um embrulho. Claudinha, imóvel, engolia a seco, a tensão do momento. O mendigo desatou a falar. Não entendera nada. Mas em suas mãos um peixe embrulhado em jornais do dia. Manchete. A miséria aterrorizava o país. O peixe respirou aliviado o perfume da casa. O mendigo se fora. O que faria com o peixe não sabia. Mas, não poderia desperdiçá-lo. Daria a alguém. Foi guardá-lo na geladeira.
Os olhos, antes, azuis,antes, vidrados. Projetaram-se oblíquos, interrogativos.
_ Moça, realmente existe essa tal miséria do jornal? Apavorada, ela saiu gritando e batendo pelos cantos da casa. Pelo que o peixe concluiu, a miséria é, de fato, assustadora.

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